Em uma iniciativa de fôlego para impulsionar o debate e a troca de experiências em relação às questões de terra no Brasil e no mundo, o Instituto de Economia da Unicamp está promovendo o III Seminário Internacional de Governança de Terras e Desenvolvimento Econômico: Regularização Fundiária (de 7 a 9 de junho), reunindo especialistas, agentes públicos e privados e também representantes da sociedade civil. O evento tem o patrocínio de Fibria Papel e Celulose, da WWF – Brasil e Suzano Papel e Celulose, e apoio da Land Aliance, Bueno e Mesquita Advogados, Cartório Rui Barbosa e Cenibra.

Além de estar na raiz dos conflitos que só fazem crescer no país, a desorganização fundiária constitui um sério entrave para o desenvolvimento social. A fragilidade do sistema passa, em grande parte, pela desconexão dos canais de cadastramento fundiário. Por exemplo: no âmbito federal vigoram, ao menos, 15 cadastros oficiais diferentes e que não interagem; existem mais de 5 mil cadastros municipais de terras urbanas, que tampouco dialogam entre si; metade dos imóveis urbanos de todo o Brasil não são registrados.

“Tema incontornável”

“Infelizmente, ainda vivemos o equívoco que leva cada segmento a querer fazer o ‘seu’ cadastro, sob a ilusão de que será ‘o’ cadastro”, ilustrou Bastiaan P. Reydon, professor do Instituto de Economia (IE) e coordenador do Grupo de Governança de Terras.

Classificando a melhoria da governança de terras como “um tema hoje incontornável”, o diretor do IE, Paulo Fracalanza, defendeu que os debates transcendam o círculo teórico e deem sustentação a iniciativas práticas.

O assistente representante da FAO Brasil, Gustavo Chianca, frisou que “o tema está no DNA da nossa instituição, que visa principalmente a erradicação da fome no mundo” e lembrou avanços nacionais como em 2012, quando o país aprovou as Diretrizes Voluntárias sobre a Governança Responsável da Terra e dos Recursos Pesqueiros e Florestais.

Carlos Eduardo Bovo, assessor especial da Sead/Casa Civil, é outro partidário da ideia de convergir as discussões teóricas para ações práticas: “Só assim caminharemos para o empoderamento da sociedade; e para isso, devemos tornar essas discussões mais palatáveis”.

Paulo Farinha, que representou a Diretoria de Ordenamento Fundiário do Incra, salientou que, para o órgão, “a questão de governança de terras já não está mais restrita ao meio rural, é mesmo uma política de governo”. Mas, “ainda que estejamos quebrando paradigmas de impasse”, lembrou que o segmento rural tem se beneficiado com iniciativas como a “malha única cadastral” que vem sendo construída, “tanto com dados literais quanto gráficos”, que deverá estar concluída já em janeiro de 2018, com meta de geo-referenciar 100% dos imóveis rurais até 2023.

O secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, André Von Zuben, ressaltou que, neste momento em que Campinas discute seu Plano Diretor, “buscamos uma cidade com um crescimento mais sustentável”. Colocando a regularização fundiária como “prioridade da Prefeitura”, ele citou que “em quatro anos, foram cumpridas 4 mil regularizações e pensa-se chegar a 10 mil”. Porém, Von Zuben reconheceu um importante empecilho: “Toda semana sofremos a pressão de uma nova ocupação; e sem subsídios, não conseguimos acelerar as regularizações o quanto seria ideal”.

Richard Torsiano, representante da FAO Chile/Caribe, destacou que o Programa Terra Legal já atingiu, desde 2000, mais de 500 mil famílias brasileiras assentadas pela reforma agrária.

 

Estrangeiros

Polêmica histórica, a questão de venda de terras brasileiras para estrangeiros mereceu bastante atenção no primeiro dia do seminário, principalmente face ao projeto de lei do Governo Federal que pretende flexibilizar as atuais normas.

Para os especialistas, como a governança de terras no país é débil, a questão precisa ser analisada tanto do ponto de vista dos possíveis problemas quanto das eventuais vantagens. Vitor Bukvar, que coordenou a mesa sobre o tema, discorreu a respeito das sucessivas interpretações da legislação, como ocorreu entre 1994 e 1998, mas salientou: “O imbróglio se agrava mesmo com a crise financeira mundial entre 2008 e 2009, quando detectamos ações mais insistentes em certas partes do mundo mais fragilizadas, como África, Sudeste Asiático e América Latina”.

O vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira, Francisco de Godoy Bueno, deixou claro preferir “uma abordagem mais jurídica do que política”. O mérito disso seria, segundo ele, “readequar a legislação” às maiores necessidades e possibilidades.

André Tomasi, da ONG Instituto Internacional de Educação do Brasil, elencou fatores desfavoráveis de uma grande flexibilização legal, como “insegurança fundiária, desmatamento acelerado, atividades econômicas predatórias e violência contra povos indígenas”. De acordo com ele, somente entre 2008 e 2009, foram comercializados mais de 45 milhões de hectares de terras no mundo.

Falando por outra ONG, a World Wildlife Fund (WWF), Fabrício de Campos também apontou dados preocupantes: “Na região do Matopiba – que compreende os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – e que é um dos maiores biomas mundiais, há 12 empresas identificadas e todas com capital estrangeiro”. E complementou: “Mais de 60% da expansão da soja se dá em áreas de vegetação natural”.

Júnior Fidelis, do INCRA, reconheceu que “a legislação atual não oferece boas ferramentas de controle”, mas ressalvou: “Não podemos partir apenas de perspectivas legais, e sim, mirando no que seria bom para o país em termos de modelos de negócios”.

Terras Públicas

O primeiro dia do seminário foi encerrado por uma mesa redonda sobre terras públicas. “Está aí um ‘dever de casa’ que não foi feito até agora”, ilustrou Bastiaan Reydon, referindo-se às lacunas históricas nesse campo no país. É unânime entre os especialistas o princípio de que uma nação precisa conhecer o seu território para ter capacidade de geri-lo e criar políticas públicas eficientes para o desenvolvimento econômico.

Otávio Moreira do Carmo Júnior, da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, destacou um avanço do Programa Terra Legal, do qual é coordenador geral: “Na Amazônia, dos 501,6 milhões de hectares, 63 milhões já foram destinados”.

Falando pela Secretaria de Patrimônio da União, André Nunes afirmou que, apesar da imensidão desse patrimônio, que inclui até sítios arqueológicos, “uma das principais diretrizes é priorizar a destinação de imóveis da União para políticas de inclusão social”.

Raquel Santori, subsecretária de Reordenamento Agrário Sead/Casa Civil, lamentou que “há muitos atores do governo trabalhando de forma desarticulada” e, por isso, o objetivo maior é “integrar ações governamentais nos planos federal, estaduais e municipais”.

Elis Araújo, do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), demonstrou preocupação maior com as chamadas terras públicas protegidas: “As unidades de conservação constituem 22% da Amazônia”. Segundo ela, entre 2012 e 2015, houve aumento de 79% no desmatamento, “muito se devendo às crescentes demandas energéticas”.

 

Serviço 

III Seminário Internacional de Governança de Terras e Desenvolvimento Econômico: Regularização Fundiária:

Data: dias 7, 8 e 9

Horário: das 8h30 às 18h

Local: Instituto de Economia da Unicamp (Rua Pitágoras, nº 353, Cidade Universitária, Campinas – SP)

 

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