Além de assinar projetos de grandes marcos do paisagismo brasileiro, Rosa também tem enorme importância como agitadora institucional por ter criado a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas, instituição responsável por fortalecer a prática profissional

A arquiteta e paisagista Rosa Kliass e um dos seus projetos, o Parque Zoobotânico Mangal das Garças, em Belém

Yearbook 2024, edição colecionável de Casa Vogue que já está disponível nas bancas, presta uma homenagem à arquiteta e paisagista Rosa Kliass, que projetou grandes marcos do paisagismo brasileiro e tem enorme importância como agitadora institucional, por criar a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas, instituição responsável por fortalecer a prática profissional, e inventado o modo de arquitetar áreas externas no Brasil.

Entre arquitetos paisagistas, Rosa Grena Kliass desponta como uma daquelas raras unanimidades boas. Todos os profissionais a conhecem e a admiram legitimamente, cada qual dono de alguma história sobre a influência que a moça miúda nascida em São Roque, interior de São Paulo, em 1932 (ano de revolução, como ela mesma gosta de dizer), teve em sua vida e em sua carreira.

Corajosa, desbravadora, determinada, pioneira estão entre os predicados que acompanham Rosa, nome que, aliás, parece ter sido cultivado para a profissão. E a metáfora da flor que encanta pela beleza e protege-se com espinhos também é válida. “Rosa nunca foi passiva. Nem mesmo pacífica. Ao longo de sua carreira, ela sempre se revelou boa de briga”, brinca o arquiteto José Luiz Brenna, nome à frente do Soma Arquitetos e um de seus admiradores mais fervorosos.

Os dois dividiram a rotina de trabalho entre 1997 e 2004, momento em que ela optou por transferir o escritório para sua própria casa, no auge da sua maturidade profissional. “Ao lidar com gestores públicos, Rosa apresentava suas demandas e as necessidades do projeto de forma tão clara e cordata que ficava difícil escapar. Ela encarna o empoderamento feminino desde sempre”, avalia Brenna.

Em São Paulo, cidade que escolheu para viver, o desenho de projeto formal para o paisagismo da Avenida Paulista tem sua assinatura. Nesse trabalho, há muito desfigurado, havia a especificação de abrigos e outros mobiliários urbanos, acolhendo os passantes com qualidade. Já na revitalização do Vale do Anhangabaú nos anos 1980, ela rebaixou a avenida e criou uma praça ampla, devolvendo o espaço central aos pedestres. “Para Rosa, ver cidadãos se apropriando da área pública tem um valor social inestimável”, continua Brenna.

Suas obras públicas espalham-se pelo Brasil, com importantes trabalhos nas regiões Norte e Nordeste do país – em Belém, Macapá, Salvador e São Luís mais especificamente – e com passagens pelo interior de Minas Gerais, com os parques Halfeld e Mariano Procópio, em Juiz de Fora, e incontáveis obras pelo interior e pela capital paulistas. Não há dúvida da qualidade de seus projetos, tanto na técnica quanto na estética. “Rosa nos apresentou uma forma sistemática de trabalhar a paisagem. E isso se confirma nos muitos concursos públicos que venceu, como no caso do Vale do Anhangabaú e do Parque da Juventude, ambos em São Paulo. Cabe a ela o crédito de quem realmente forjou a profissão no Brasil”, defende Benedito Abbud, ele mesmo um paisagista de renome.

Ao coordenar o trabalho de planejamento da paisagem no Vale do Paraíba, no interior de São Paulo, ainda nos anos 1970, Rosa já se preocupava com o impacto ecológico. A mistura de teoria e prática que sempre lhe foi característica, assim como a curiosidade, fez com que montasse equipes multidisciplinares, incluindo biólogos e geógrafos, capazes de apontar com precisão as necessidades de espécies vegetais e dos solos dos locais por onde projetava.

Ela instaurou o hábito de projeto na arquitetura da paisagem. Numa época em que o paisagismo era entendido apenas como vegetação, a profissional desbravou territórios ao estruturar as áreas externas de forma a moldar esses espaços. Ciça Gorski, arquiteta paisagista do Barbieri Gorski, aluna, aprendiz, colaboradora, colega de Rosa e uma das organizadoras de seu livro mais recente, revela uma frase repetida por Rosa Kliass ao longo dos muitos projetos em que trabalharam juntas: “Depois de esgotadas todas as questões estruturais, agora vamos em busca da forma”.

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